A metrite é uma doença uterina comum em vacas leiteiras, podendo afetar aproximadamente 20 a 30% durante as primeiras duas semanas pós-parto.
Ela é responsável por trazer diversos efeitos prejudiciais na reprodução, produção de leite, sobrevivência, no bem-estar das vacas e por isso ela é considerada de grande importância na pecuária leiteira.
É caracterizada como uma inflamação que acomete a camada interna da parede uterina, advinda de lesões ou infecções polibacterianas no útero. Sua gravidade é diversificada, desde as infecções subclínicas, até quadros com febre e diminuição na produção de leite.
Nesse texto iremos discutir sobre os principais fatores de risco para metrite em vacas leiteiras, sobre as formas de diagnóstico e estratégias de tratamento. Além disso, vamos abordar as maneiras de prevenir a metrite e os grandes impactos que essa doença traz para a reprodução e produção de leite.
Quais são os fatores de risco da metrite?
Sabemos que a metrite é causada por uma infecção bacteriana, especialmente no pós-parto e que está associada a grandes distúrbios nas comunidades bacterianas do útero e segundos os estudos com o aumento de bactérias gram-negativas dos gêneros Fusobacterium, Bacteroides e Porphyromonas.
Entre os patógenos e a doença uterina existe uma associação, sendo empregados fatores de virulência, os quais vão danificar os tecidos e provocar inflamação do endométrio.
Como forma de combater esses microrganismos patogênicos, o organismo do animal depende da resistência (capacidade de estabelecer um limite de carga patogênica) e da tolerância (eficiência de limitar o quão grave é a doença provocada por uma certa carga de patógenos) entretanto, durante o período de transição da vaca, isso pode ser desafiador, visto que ocorre uma significativa queda do sistema imune.
Por isso, com a redução da função imunológica, um alto desafio bacteriano e uma resistência restrita se torna propício ao estabelecimento de doenças uterinas, em especial a metrite.
Dentre os fatores de risco descritos para o desenvolvimento de metrite podemos citar:
- Problemas de parto (distocias, parto gemelar, retenção de placenta, natimorto e indução de parto): Quando tratamos de um parto anormal, geralmente ele irá requerer a intervenção humana, fato esse que contribui para que ocorra trauma no trato genital e favoreça a contaminação bacteriana, o que pode levar ao desenvolvimento de metrite. Além disso, partos problemáticos podem interferir no processo natural de involução uterina, e quando isso é comprometido temos uma maior chance de proliferação bacteriana e de desenvolvimento da doença.
- Distúrbios metabólicos: Baixa ingestão de matéria seca no pré-parto – Balanço energético negativo (Non-Esterified Fatty Acids – NEFA alto e IGF-1 baixo). Estudos já demonstraram que um alto NEFA (>0,3 mmol/L) em 1 a 2 semanas antes do parto está associado com o aumento do risco de retenção de placenta, metrite, deslocamento de abomaso e diminuição da produção de leite (1,6 kg/dia). É importante entendermos que a concentração de NEFA está diretamente relacionado com o balanço energético negativo (BEN), pois quando a vaca entra em BEN, tem-se mobilização de gordura corporal, que será degradada para liberar NEFAs, que são os ácidos graxos não esterificados (AGNE) na corrente sanguínea.
- Problemas de higiene: Estudos já demonstraram que os fatores relacionados ao ambiente do parto e do alojamento das vacas após o parto são importantes para o desenvolvimento de doenças uterinas como a metrite.
Um estudo que buscou relacionar os escores de higiene da vulva e do períneo com a ocorrência de metrite evidenciou que vacas que tiveram uma pontuação de escore de sujidade mais alto, tiveram maior incidência de metrite do que aquelas vacas que tiveram um escore baixo, ou seja, que tinham uma vulva e períneo limpos.
Isso indica que a contaminação do útero pode estar vindo da própria vaca a partir de suas fezes e urina que ficam retidas na região do períneo, como também da presença de esterco do ambiente.
Além disso, é importante compreendermos que as vacas possuem uma diversidade de patógenos no útero e que as vacas saudáveis têm um microbioma uterino mais heterogêneo e aquelas com doenças, como a metrite, um microbioma menos complexo.
Essa perda da heterogeneidade que ocorre em vacas com infecção uterina, o que favorece a diminuição da diversidade bacteriana e essa disbiose, ou seja, desequilíbrio, favorece o desenvolvimento da infecção.
Como diagnosticar a metrite?
Embora não tenhamos um padrão ouro para diagnosticar doenças uterinas, a avaliação do conteúdo vaginal é uma forma extremamente útil, visto que a presença de pus neste conteúdo está diretamente relacionada com a carga de bactérias patogênicas no útero.
Por isso, o diagnóstico de metrite em vacas leiteiras geralmente é realizado com base nos sinais clínicos e exame físico nos primeiros dias após o parto. Esse diagnóstico é essencial para que o tratamento seja realizado e minimize os impactos na saúde e na produção da vaca.
A triagem da vaca para a investigação de doenças uterinas é fundamental, pois a metrite pode ser identificada praticamente com base em alguns fatores, como a presença útero aumentado, descarga vagina fétida, aquosa, de coloração marrom-avermelhado, febre e sinais de quadro sistêmico de doença nos 21 dias após o parto.
O uso da ultrassonografia em algumas situações pode ser empregado a fim de verificar o conteúdo uterino e identificar sinais de inflamação, como o acúmulo de líquido ou secreção espessa no útero.
Entretanto, o uso do metricheck é mais difundido nas fazendas leiteiras e seu uso é mais comum entre os dias 4 a 7 pós-parto. Esse dispositivo permite coletar e avaliar a secreção uterina de maneira prática e precoce. Essa detecção é feita a partir da análise visual e olfativa do conteúdo do fundo da vagina, perto da cérvix, onde estará acumulada a secreção uterina.
Imagens demonstrando o manejo de utilização do metricheck para avaliação do conteúdo uterino. Fonte: Mariana Albuquerque
A avaliação da secreção captada pelo metricheck é feita a partir da observação da cor, consistência e odor. Quando temos uma secreção purulenta, com mau odor ou com presença de sangue, isso é um indicativo de infecção uterina, pois a secreção normal geralmente é clara e sem odor forte.
Durante essa avaliação, escores de muco podem ser atribuídos, onde temos:
0. Muco cristalino e translúcido, sem cheiro;
1. Translúcido com pontos de pus, sem cheiro;
2. Mucopurulento com < 50% de pus, sem cheiro;
3. Mucopurulento com > 50% de pus ou vermelho amarronzado, aquoso e fétido.
Imagem demonstrando os diferentes escores de avaliação da descarga vaginal. Fonte: imagem adaptada de Sheldon et al. (2006)
Qual o tratamento para a metrite?
Um consenso que os estudos trazem é o de que as vacas com metrite requerem tratamento antibiótico sistêmico devido a etiologia, gravidade da doença e também ao risco de morte. Estudos já demonstraram que tratamentos não antibióticos para doenças uterinas não foram relatados como tão eficazes.
Entretanto, é importante ressaltar que o tratamento nos quadros de metrite não irão anular os prejuízos que essa doença causa na reprodução e produção de leite.
Isso é notório em diversos trabalhos que avaliaram a eficácia de determinados antibióticos e anti-inflamatórios, onde foi observado uma menor produção de leite mesmo em vacas tratadas para metrite quando comparadas com vacas sem metrite.
Além disso, o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), como o cetoprofeno, tem efeitos analgésicos, antipiréticos e anti endotóxicos, o que administrado juntamente com o antibiótico pode ser benéfico para o caso de metrite e contribuir para o bem-estar do animal.
A terapia de suporte também é algo que pode beneficiar a vaca com metrite, pois devido a perda de apetite e a presença de febre, a administração de fluido (Drench) irá evitar a desidratação, melhorar o estado metabólico, apoiar a recuperação e estimular o apetite.
Quais são os métodos de prevenção?
Pensando em reduzir o risco de metrite associada a problemas de parto, podemos adotar algumas práticas de manejo como o de ter um protocolo bem definido de assistência ao parto, visando minimizar intervenções desnecessárias ou fora do momento adequado.
Além disso, é fundamental, termos um manejo nutricional compatível com o período de transição da vaca, dando atenção especial às dietas aniônicas nesse momento, a qual está atrelada com a hipocalcemia e essa relacionada com casos de metrite.
Trabalhar durante o período de transição com estratégias que minimizem o estresse dos animais e proporcionem conforto é fundamental. Quanto a isso, podemos ressaltar a importância do agrupamento adequado dos animais em transição, proporcionar espaço suficiente e limpo e não esquecer da adoção de mecanismos que visem reduzir o estresse térmico.
Ter um controle da higiene da vaca e do ambiente do parto também é algo que devemos nos atentar, pois a sujidade da vaca, em especial da região do períneo e cauda pode contribuir para o desenvolvimento de infecções uterinas após o parto. A contaminação bacteriana na pele próximo ao trato reprodutivo pode facilmente migrar para o útero no momento do parto e até mesmo no pós-parto.
Qual o impacto da metrite na pecuária leiteira?
Reprodução
Estudos já demonstraram que a metrite puerperal corrobora para um grande impacto na reprodução. Já foi observado que a taxa de prenhez aos 100 dias em lactação foi afetada pela metrite, onde essas vacas apresentaram uma probabilidade menor de prenhez do que as vacas saudáveis do rebanho.
Além disso, vacas com metrite apresentam um maior intervalo entre o parto e a concepção do que aquelas vacas com metrite clínica ou sem metrite e consequentemente possuem uma chance maior de descarte prematuro devido ao fato da possibilidade de não emprenhar durante o período de lactação.
Esse aumento do intervalo entre partos pode ser compreendido por resultados de um estudo brasileiro que identificou que a vaca ao possuir um ou mais eventos de doença no pós-parto, têm um risco 2 a 3 vezes maior de ter falhas na ovulação durante os primeiros 50 dias em lactação.
Isso acontece, pois as infecções uterinas contribuem para um crescimento mais lento do primeiro folículo dominante de 7 a 16 dias pós-parto, tem concentrações plasmáticas periféricas de estradiol mais baixas, são menos propensas a ovular e também concentrações circulantes mais baixas de progesterona após a formação do primeiro corpo lúteo.
Gráfico demonstrando a curva de sobrevivência dos intervalos entre parto e a concepção aos 150 DEL em vacas leiteiras holandesas. É possível observar que vacas com metrite puerperal tiveram um intervalo parto-concepção mais longo do que vacas saudáveis. Fonte: Giuliodori et al. (2013)
Produção de leite
Já sabemos também que além do impacto negativo na reprodução, a metrite pode provocar alterações na produção de leite.
Essa redução na produção de leite em vacas com metrite pode estar relacionada à inflamação do epitélio do útero, o que pode contribuir para uma maior liberação de citocinas inflamatórias na corrente sanguínea e inflamação exacerbada ou dor, o que vai contribuir para a redução da ingestão de matéria seca e de disponibilidade de nutrientes essenciais para a produção de leite e metabolismo, o que consequentemente contribui para a queda na produção de leite.
Pensando na redução da ingestão de matéria seca, temos ainda que relacionar ao BEN, que pode ser um dos fatores de risco para a metrite e que contribui também para a queda na produção de leite e piora do bem-estar.
Além disso, essa queda na produção pode estar relacionada com o desvio de energia para combater a infecção, visto que a metrite é uma infecção que ativa o sistema imunológico e aumenta a demanda energética para combater a inflamação no útero.
Gráfico demonstrando o efeito misto na produção de leite em vacas com metrite puerperal, clínica e sem metrite. É possível observar que vacas saudáveis apresentam maior produção de leite até 90 DEL, ou seja, no início da lactação do que vacas com metrite. Isso vem demonstrar que pode haver um efeito do tempo por metrite na produção de leite. Fonte: Giuliodori et al. (2013)
Considerações finais
Sabemos então que a metrite representa um importante desafio para a saúde e também para a rentabilidade da produção leiteira, visto que ela impacta de forma significativa na eficiência produtiva e reprodutiva.
Ter estratégias visando a prevenção, diagnóstico precoce e um tratamento adequado são essenciais para o bem-estar das vacas e para isso é fundamental investir em práticas preventivas como uma higiene rigorosa, dieta balanceada e também monitoramento da saúde uterina.
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