Sabemos que na atualidade o botulismo ainda continua sendo uma ameaça dentro da pecuária leiteira. É um problema capaz de gerar grandes impactos na saúde, na produtividade dos animais e também no bolso do produtor.
A preocupação crescente com o botulismo está intimamente relacionada com a intensificação da produção e alterações nos manejos, o que tornou o sistema cada vez mais dependente de alimentos conservados.
Ao longo deste texto vamos entender melhor que é o botulismo, seu agente etiológico e sua fisiopatologia e quais os principais fatores de risco na atualidade. Além disso, vamos discutir sobre os sinais clínicos, tratamento e também como é possível trabalhar na prevenção.
O que é o botulismo?
Botulismo é uma grave doença neuromuscular caracterizada pela paralisia muscular flácida generalizada, que pode levar à morte dos animais acometidos. Essa condição é causada pela exposição a neurotoxinas botulínicas produzidas por bactérias do gênero Clostridium, especialmente Clostridium botulinum.
O botulismo pode afetar tanto humanos quanto animais, mas se manifesta de forma mais agressiva em animais, refletindo em uma alta taxa de mortalidade e resultando em prejuízos econômicos significativos.
As neurotoxinas botulínicas mais associadas ao botulismo humano são dos tipos A, B, E e F, enquanto no caso dos animais, as neurotoxinas B, C e D, e suas formas mosaicas C/D e D/C, são as principais responsáveis.
Quais são os fatores de risco na atualidade?
Na atualidade os principais fatores de risco estão relacionados com a intensificação da produção, e dentre esses fatores podemos citar:
- Alimentos mal conservados: Silagens, fenos ou quaisquer outros alimentos armazenados de forma inadequada podem ser contaminados pela Clostridium botulinum. Além dessa má conservação é importante ressaltar a possibilidade de contaminação via carcaça de pequenos animais, como aves e roedores, que acessam com facilidade os alimentos. Nos bovinos, esse é o fator de risco mais comum de provocar botulismo.
- Deficiências nutricionais: A deficiência, especialmente do fósforo, pode ser um fator contribuinte para o botulismo devido ao que chamamos de comportamento compensatório dos animais, onde os animais desenvolvem hábitos alternativos de buscar esse mineral no ambiente, o que eleva o risco de ingestão de materiais contaminados.
- Inadequado manejo de carcaças: Presença de carcaças de animais no ambiente de acesso dos animais, como em pastagens ou locais de armazenamento de alimentos pode contribuir para a contaminação. Quando essas carcaças são expostas em áreas de pastagem, um ambiente muito benéfico para o crescimento da bactéria é criado, pois estará ocorrendo o processo de decomposição. Aliado com o fator citado acima, aqueles animais em deficiência de fósforo podem consumir os restos dessas carcaças que detém a presença da bactéria e também da toxina.
Qual o agente etiológico do botulismo?
O botulismo é causado pela Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbia, Gram-positiva e em forma de bastonete, pertencente ao gênero Clostridium. Essa bactéria é capaz de formar esporos e tem uma ampla variação de tamanho, que pode variar de 1,6 a 22 μm de comprimento e 0,5 a 2 μm de largura.
A característica mais notável do C. botulinum é sua capacidade de sintetizar a neurotoxina botulínica (BoNT), sendo ela a principal responsável pelos efeitos do botulismo.
O gênero Clostridium inclui cerca de 200 espécies, das quais aproximadamente quinze são capazes de produzir toxinas que causam doenças em humanos e animais. C. botulinum é geneticamente diverso e pode ser classificado em três grupos principais com base em suas características bioquímicas, especialmente suas capacidades proteolíticas.
- Grupo I = É composto por cepas proteolíticas.
- Grupo II e III = São formados por cepas não proteolíticas.
Além disso, outras espécies do gênero Clostridium, como C. argentinense (grupo IV), C. baratii (grupo V) e C. butyricum (grupo VI), também podem produzir neurotoxinas botulínicas.
Em sua forma vegetativa, o C. botulinum é flagelado e móvel, o que facilita sua disseminação em ambientes favoráveis. Seu metabolismo é do tipo quimiorganotrófico, ou seja, utiliza compostos orgânicos como fonte de energia, gerando como produtos finais ácidos acético, butírico e propiônico.
O C. botulinum e outras espécies do gênero possuem um metabolismo estritamente anaeróbio, embora algumas cepas possam tolerar baixos níveis de oxigênio.
Devido a essas características metabólicas, essas bactérias desempenham um papel significativo na degradação da matéria orgânica.
Qual a fisiopatologia da doença?
A fisiopatologia do botulismo envolve a absorção sistêmica da neurotoxina produzida pela bactéria a partir do trato gastrointestinal.
Após a ingestão, a toxina botulínica circula na corrente sanguínea em concentrações extremamente baixas, dificultando sua detecção. Assim, a toxina é absorvida por receptores específicos na placa motora terminal, comprometendo a transmissão do impulso elétrico entre o nervo e o músculo. Esse bloqueio é mediado pela ligação da toxina à vesícula de acetilcolina, impedindo a sinalização neuromuscular e resultando em paralisia flácida.
A manifestação dos sinais clínicos depende da dose de toxina ingerida. Pequenas doses podem atrasar o aparecimento dos sintomas em até 10 dias, enquanto grandes quantidades podem levar à morte em poucas horas. Os esporos de Clostridium botulinum podem permanecer viáveis por anos, mas só produzem toxinas em condições anaeróbicas adequadas, como em forragens mal fermentadas com pH acima de 4,5.
Ciclo epidemiológico de Clostridium botulinum. Fonte: Adaptado de MEURENS et al. (2023)
Quais os sinais clínicos da doença?
Os sinais clínicos do botulismo variam conforme a espécie afetada e a forma da doença. Em geral, a intoxicação por BoNT resulta em paralisia flácida que pode afetar diversos sistemas, incluindo o sistema nervoso periférico. Em bovinos, os sinais incluem:
- Dificuldade de movimentação;
- Paralisia dos músculos respiratórios;
- Em casos graves, morte por insuficiência respiratória.
A sintomatologia da doença é sugestiva, mas não específica, o que torna a confirmação do diagnóstico um desafio.
Novilha em decúbito lateral permanente e apresentando paralisia flácida. Fonte: PINNA et al. (2023)
Para confirmar o botulismo, utilizam-se duas principais estratégias laboratoriais:
1. Detecção direta da toxina: é feita através de métodos como o bioensaio em camundongos (MBA), sendo ele considerado o padrão-ouro por sua alta sensibilidade. No entanto, o MBA possui limitações significativas, incluindo questões éticas e um tempo de espera prolongado para os resultados.
Métodos alternativos, como os testes ELISA e Espectrometria de Massas Endopep (MS), têm sido desenvolvidos para a detecção de BoNT e apresentam vantagens como maior rapidez e limite de detecção inferior. No entanto, esses métodos podem sofrer com problemas de padronização e controle, o que pode impactar a confiabilidade dos resultados.
2. Identificação dos clostridios produtores de BoNT: é realizada principalmente através de ensaios de PCR, após um processo de enriquecimento cultural das amostras. Apesar dos avanços na técnica, ainda não existe um protocolo universalmente aceito para a detecção de todas as variantes de clostridios produtores de BoNT, o que pode dificultar a confirmação em alguns casos.
Durante investigações epidemiológicas, a combinação de diferentes métodos laboratoriais pode ajudar a consolidar o diagnóstico e identificar a fonte de contaminação ou as rotas de disseminação. Em condições de campo, especialmente em surtos de botulismo em animais, a abordagem mais prática pode ser limitada pela disponibilidade de métodos e custos.
Qual o tratamento do botulismo e como prevenir?
Atualmente, não há tratamento curativo disponível para o botulismo bovino, embora as antitoxinas possam ser usadas com sucesso, mas com custos geralmente não sustentáveis para a maioria das fazendas.
Para prevenir surtos de botulismo bovino, é necessário implementar medidas de biosseguridade em relação à gestão sanitária da fazenda, relação da produção e armazenamento de alimento e também na gestão eficiente de resíduos e carcaças.
A presença de carcaças de animais no alimento armazenado em condições inadequadas, se torna uma potencial fonte de surto. É fundamental se atentar a todas as etapas, desde a colheita dos alimentos como silagem, até a distribuição aos animais.
Além disso, é extremamente importante ter estratégias sanitárias, como a vacinação, a qual é considerada a medida mais eficaz de proteção. Existem diversas vacinas comerciais específicas contra o botulismo, onde sua utilização deve ser seguida rigorosamente conforme os protocolos definidos pelo especialista da área.
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Autores: Mateus Abranches e Bruna Maeda – Equipe Leite Rehagro
Referências
- MEURENS, François et al. Clostridium botulinum type C, D, C/D, and D/C: An update. Frontiers in Microbiology, v. 13, p. 1099184, 2023.
- PINNA, Luigia et al. Botulism in cattle: a case report of an outbreak in Sardinia (Italy). Animals, v. 13, n. 15, p. 2435, 2023.
- WHITLOCK, Robert H.; WILLIAMS, Julie M. Botulism toxicosis of cattle. In: American Association of Bovine Practitioners Conference Proceedings. 1999. p. 45-53.
O post Botulismo em rebanhos leiteiros: como lidar com essa ameaça silenciosa? apareceu primeiro em Rehagro Blog.